A Revolta dos Influencers Virtuais

Em algum momento entre o lançamento da Lil Miquela e a ascensão do ChatGPT, deixamos de perceber que os influenciadores virtuais estavam deixando de ser apenas “mascotes” de marcas e se tornando concorrência direta dos criadores de carne e osso. E agora, com os avanços das inteligências artificiais generativas e deepfakes hiperrealistas, a linha entre o humano e o simulado está mais borrada do que nunca. A pergunta não é mais “isso é real?”, mas sim: “isso importa?”

O Brasil, como sempre, entra nessa onda com estilo próprio. Avatares digitais já estrelam campanhas de grandes bancos, influenciam tendências de moda, ensinam dancinhas no TikTok e até criam músicas que viralizam mais rápido do que artistas independentes conseguem gravar um EP. Um dos exemplos mais emblemáticos foi o da Satiko, avatar criado pela influenciadora Sabrina Sato — que acabou ganhando vida própria, criando conteúdo, respondendo comentários e até fazendo parcerias publicitárias independentes.

Mas nem tudo são likes e engajamento. Com a chegada de personagens como Aiana (influencer de beleza criada por IA que já tem mais de 100 mil seguidores no Instagram), o debate sobre ética, autenticidade e remuneração esquentou. Afinal, quem está por trás desses avatares? Quem lucra? E principalmente: como fica a concorrência com influenciadores reais, que enfrentam burnout, algoritmos ingratos e custos de produção cada vez mais altos?

Os “influencers sintéticos”, como já são chamados em algumas rodas acadêmicas, não dormem, não reclamam e não erram — a não ser que seja parte do roteiro. Eles entregam o que o mercado quer: eficiência, previsibilidade e estética impecável. Mas será que isso é bom? Ou estamos diante de uma bolha prestes a estourar, onde a desumanização do conteúdo ameaça a própria essência das redes sociais: a conexão?

A reação dos criadores humanos não demorou. Vídeos-denúncia começaram a pipocar, comparando o alcance de influenciadores virtuais com os resultados frustrantes de campanhas feitas por pessoas reais. Muitos apontam uma clara “preferência” dos algoritmos por esse novo tipo de criador. O problema? Ninguém sabe exatamente como esses sistemas operam — e talvez nunca saberemos.

Além disso, há uma questão jurídica crescente: os influenciadores virtuais não têm CPF, não pagam impostos, não assinam contratos como pessoas físicas. Alguns são geridos por agências de publicidade, outros por startups de tecnologia. Isso levanta um problema regulatório sem precedentes. Como o Conar e outras entidades de fiscalização devem lidar com essas entidades? E os direitos autorais? A LGPD cobre isso?

O impacto também é cultural. Jovens estão crescendo acompanhando vidas de personagens que não existem — mas que influenciam seu comportamento, consumo e autoestima. Se a idealização já era um problema com influencers reais, imagina agora com “pessoas” projetadas para serem perfeitas, programadas para nunca errar. Isso vai muito além da publicidade: trata-se de uma transformação na forma como construímos identidade e pertencimento online.

No entanto, é simplista tratar isso como “o fim dos influenciadores humanos”. Há também espaço para fusões criativas. Alguns creators estão incorporando IA em seus próprios processos criativos, criando versões virtuais de si mesmos para lives, atendimentos automatizados e até interações 24/7 com fãs. A revolução é híbrida, e quem souber usar a tecnologia a seu favor pode sair na frente.

A discussão, no fim das contas, não é sobre substituir humanos por máquinas, mas sobre como vamos rediscutir o valor da presença, da transparência e da narrativa nas redes. A audiência, mais do que nunca, está dividida: metade quer se conectar com algo “real”, outra metade só quer ser entretida, independente de quem está por trás.

A revolta dos influencers virtuais já começou. A pergunta é: você vai se juntar a eles, competir com eles — ou apenas assistir de camarote?

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